No palco do House of Knowledge: Investors Edition – evento realizado exclusivamente para os nossos investidores –, os fundadores Gabriel Sendacz (Cayena) e Erick Coser (Gabriel) conversaram ao vivo com o nosso General Partner Daniel Chalfon sobre suas jornadas empreendedoras, os desafios estruturais que estão enfrentando e o novo cenário de captação com investidores globais.
O que une uma startup que instala câmeras de vigilância em ruas escuras e um marketplace que digitaliza a compra de insumos para restaurantes? Apesar de modelos de negócio e indústrias distintas, ambas estão tentando resolver grandes problemas estruturais do Brasil, ou como gostamos de falar, estão "fazendo a coisa difícil".
Tanto a Gabriel quanto a Cayena são investidas da Astella que escolheram não ignorar a complexidade do Brasil. Pelo contrário: seus fundadores construíram negócios que encaram de frente problemas estruturais do país. A Gabriel decidiu atacar os desafios da segurança pública, enquanto a Cayena decidiu desatar os nós da ineficiência logística no varejo alimentar. Ambas decidiram fazer isso por meio da tecnologia, criando barreiras de entrada que poucos conseguem transpor.
Durante nosso evento House of Knowledge: Investors Edition, o nosso GP Daniel Chalfon conduziu uma conversa franca com os dois empreendedores. Eles mostraram a “cozinha” de suas operações, discutiram os percalços e vitórias de suas jornadas e compartilharam suas visões sobre o atual cenário de captação no ecossistema brasileiro.
Abaixo, condensamos os melhores momentos dessa conversa para vocês:
Daniel Chalfon: A Astella gosta de investir na resolução de grandes problemas brasileiros. A tecnologia, muitas vezes, é o único jeito de endereçar essas questões em escala. Vocês atuam em dois dos setores mais complexos do país: alimentação e segurança. O que vocês fazem de diferente que os mecanismos tradicionais não conseguiram?
Erick Coser (Gabriel): Eu penso muito em uma estatística: a quantidade de câmeras por mil habitantes. Londres, o berço do liberalismo, tem 60 câmeras por mil habitantes. Pequim tem 370. São Paulo, antes de iniciativas como o Smart Sampa e a Gabriel, tinha cerca de quatro.
Nenhuma sociedade do planeta tem dinheiro para colocar uma viatura policial em cada esquina. A câmera é um proxy de investimento em tecnologia para gerar inteligência. O problema é que, infelizmente, muitos recursos são alocados de forma estática, em pontos geograficamente fixos, e não onde a mancha criminal está acontecendo.
A Gabriel não inventou a roda. O que fizemos foi criar um modelo onde a iniciativa privada financia essa segurança. Nós "atomizamos" o produto. Juntando várias câmeras, conseguimos entregar uma rede de inteligência com um custo radicalmente menor.
Hoje, nossa rede processa 80 milhões de leituras de placas por mês e gera um alerta de veículo envolvido em crime a cada minuto, integrado com a polícia. Não queremos viver num país onde a segurança é privatizada, mas se a iniciativa privada está disposta a colaborar com o Estado, alinhamos os incentivos para combater a impunidade.
Gabriel Sendacz (Cayena): No nosso caso, o problema é a ineficiência logística e de compras. O dono de restaurante gasta uma parte relevante do dia cotando preços no WhatsApp com múltiplos fornecedores ou visitando atacadistas fisicamente. É uma rotina insana.
A proposta de valor da Cayena é trazer a cotação de mais de 150 distribuidores na palma da mão, em tempo real. E aí entra a ineficiência do mercado: a variação de preço de um mesmo item, como uma peça de contrafilé ou muçarela, chega a ser de 35% entre fornecedores no mesmo dia. Como fazemos arbitragem, o cliente economiza entre 15% e 20% no CMV (Custo deMercadoria Vendida) apenas comprando melhor.
Para fazer isso funcionar, tivemos que construir do zero uma infraestrutura de APIs para conectar distribuidores que usam ERPs arcaicos, feitos em Cobol há 20 anos, e que nunca ouviram falar de nuvem. Somos o único player que consegue trazer essas cotações em tempo real porque fizemos o trabalho duro de conectar essa ponta fragmentada.
Daniel Chalfon: Ambas as empresas têm investidores internacionais no cap table e levantaram rodadas relevantes recentemente. Qual é a percepção atual do investidor de Growth estrangeiro em relação ao Brasil?
Gabriel Sendacz: Sendo bem transparente: a barra subiu. Em uma viagem recente a Nova York e São Francisco, conversamos com cerca de 40 fundos. A sensação é que existe uma distinção baixa de apetite para investir especificamente no Brasil; eles nos colocam em um grande balde chamado "Resto do Mundo".
O investidor está mais maduro. Se você for uma empresa sólida, com fundamentos, sempre haverá capital. Mas aquele dinheiro fácil de 2021, baseado apenas em uma boa ideia ou em surfar uma tendência, acabou. Hoje, é difícil trazer capital de fora se você não provar que é uma empresa com capacidade de crescimento de longo prazo e um caminho claro para liquidez.
Erick Coser: Concordo integralmente. Ouvi de um investidor de um fundo high profile a seguinte frase: "Entendi que vocês podem ser uma empresa de 1 bilhão de dólares. Mas isso não move a agulha do nosso fundo de 4 bilhões. Para investir no Brasil, com risco cambial e de saída, preciso ter clareza de que pode ser um retorno de 5 bilhões de dólares".
Outro ponto é que, se você não estiver no topo — no top quartile ou nos 10% melhores —, você nem senta à mesa. E se não tiver uma narrativa clara de Inteligência Artificial, fica ainda mais difícil. Tem que ser um investimento no-brainer: "coloco 1 dólar e sai 3 do outro lado". Como diz o Jason Lemkin [do SaaStr], não é que ficou difícil agora; só voltou ao normal histórico. 2021 é que foi a exceção que não existiu.
Daniel Chalfon: Falando em IA, não dá para ignorar o tema. Vocês nasceram antes do "boom" do ChatGPT, mas a tecnologia afeta diretamente o negócio de vocês. Como a IA está mudando a operação da Cayena e da Gabriel na prática?
Gabriel Sendacz: Havia um receio nosso: "Será que precisamos ser uma empresa AI Native para captar?". Mas ouvimos muito ceticismo dos investidores lá fora quanto a empresas que são apenas "wrappers" de IA. Eles valorizam quem tem fundamentos para usar a IA dentro do negócio e, principalmente, quem tem moats (barreiras de entrada) para não ser disruptado por ela.
Na Cayena, usamos IA para eficiência. Recebemos dados desestruturados dos fornecedores, como "Contra filé C Friboi". O que é "C"? É com osso? É caixa ou unidade? Antes, sofríamos para classificar isso. Hoje, a IA acerta 95% dessas classificações baseada no histórico do fornecedor.
Também estamos usando para produtividade de vendas. A IA já avisa nossos representantes: "O cliente X sempre compra calabresa na terça-feira e não comprou hoje; ofereça". O próximo passo é um copiloto de vendas e, no futuro, a substituição da venda conversacional no WhatsApp por uma IA que simula o representante, disponível 24/7.
Erick Coser: Eu sempre tive a paranoia de que meu maior concorrente era a empresa que ainda não tinha nascido. E com a IA, essa barreira tecnológica baixou. Mas a nossa maior vantagem competitiva é ter feito a "coisa difícil": instalar hardware físico, postes de 3 metros de altura e computadores na borda.
Hoje, somos verticalmente integrados. Fazemos instalação, manutenção e processamento de vídeo no equipamento local. Isso nos dá uma margem bruta de 65%, algo raro. Nosso custo de nuvem se manteve estável mesmo crescendo 40 vezes o número de clientes, porque processamos na ponta.
No novo modelo que vamos lançar, o "Camaleão 3", a capacidade de processamento será absurda. Vamos conseguir capturar metadados estruturados da rua: cor do carro, cor da roupa do pedestre. No limite, um policial poderá mandar um áudio no WhatsApp: "Quero ver todas as motos vermelhas que passaram na minha região nas últimas duas horas". E o sistema devolve em segundos. Isso é poder computacional aplicado ao mundo real.




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