Com uma economia vibrante e dimensões continentais, o Brasil possui um mercado interno que, muitas vezes, é suficiente para construir grandes startups. Mas, para alguns negócios, as fronteiras nacionais, por maiores que sejam, acabam ficando estreitas diante do tamanho de suas ambições. Para essas organizações, escalar não se resume apenas a crescer dentro de casa, mas a encontrar novas vias de crescimento em outras geografias.
Essa mentalidade ficou evidente na última temporada do Astella Playbook, onde nosso General Partner, Daniel Chalfon, conversou com três desbravadores que ousaram ir além do território nacional e olhar para mercados internacionais: Lorhan Caproni, founder da BotCity, Patrícia Osorio, co-founder da Birdie.ai, e Thiago Pessoa, Senior Vice President de Global Business Transformation no Wellhub, antigo Gympass.
Mergulhando nesses três episódios, percebemos que, embora o desejo de obter sucesso global seja o mesmo, os caminhos trilhados para alcançá-lo foram diferentes. Abaixo, destrinchamos os principais aprendizados desses três cases de internacionalização de startups, trazendo as suas visões sobre timing, liderança, cultura e vendas.
Motivação: por que cruzar a fronteira?
A motivação para internacionalizar raramente é igual para todos. Para alguns, é uma questão de sobrevivência técnica. Para outros, é uma ambição estratégica. Entender o "porquê" é fundamental antes de definir o "quando". No entanto, toda decisão de internacionalização parte do mesmo princípio: o entendimento de que produto resolve uma dor que é, de fato, universal. Só assim uma empresa está preparada para deixar de ser local para se tornar global.
Lorhan Caproni deixa claro que, para empresas de Deep Tech, o Brasil pode apresentar um teto máximo de crescimento. A BotCity precisava de escala global porque competia com players internacionais que tinham orçamentos milionários. Segundo ele, "o tamanho do mercado no Brasil não seria o suficiente para o tamanho que a gente quer chegar com a empresa".
Já Patrícia Osorio, da Birdie.ai, encarou a internacionalização como uma mudança de patamar. A decisão foi consciente: "não quero jogar o Campeonato Brasileiro e sim a Copa do Mundo", ela conta. No entanto, ela traz um contraponto interessante sobre o timing: mesmo com a ambição global, a Birdie usou o Brasil estrategicamente como um ambiente de testes para iterar o produto mais rápido e barato antes de acelerar nos EUA.
Por fim, Thiago Pessoa refuta a ideia de que nascer no Brasil é uma desvantagem. Pelo contrário, ele vê o caos brasileiro como uma verdadeira escola. "Tem muita correnteza no mercado brasileiro. Se você consegue nadar bem aí no Brasil, fica fácil para você nadar também em outros mercados", afirma. Para o Wellhub, validar o modelo aqui criou a "casca grossa" necessária para a expansão.
O dilema do founder: ficar na matriz ou desbravar o novo?
Talvez o ponto de maior tensão na estratégia de internacionalização seja a escolha da localização e qual deveria ser o foco dos fundadores nesse processo. Existe um trade-off real: se o founder vai para fora, ele sinaliza compromisso ao novo mercado, mas corre o risco de deixar a operação principal, que geralmente paga as contas, descoberta.
Com relação a esse ponto, Thiago Pessoa é a voz da cautela. Ele defende que, em modelos complexos, o founder deve ser o último a ir. "É muito comum você ver os founders sendo os primeiros a voar e aí deixa a casa desprotegida". Para ele, o ideal é enviar pessoas de confiança para manter o DNA da organização, mas sem sacrificar a gestão da "vaca leiteira" no Brasil.
Em contrapartida, Lorhan Caproni e Patrícia Osorio argumentam que a presença do founder é inegociável para destravar valor no início. Lorhan percebeu que, para levantar capital com fundos americanos, por exemplo, a localização era uma barreira de confiança. Ele notou que a dúvida dos investidores não era sobre sua nacionalidade, mas sobre o foco: "Não era o fato de eu ser brasileiro, mas o fato de eu estar no Brasil". Mudar-se para San Francisco foi essencial para fechar a rodada Série A.
Patrícia reforça essa visão sob a ótica de vendas. Para fechar os primeiros contratos com corporações, o crachá do dono pesa. "O founder faz mais diferença nesses primeiros contratos de grande porte do que uma pessoa dos Estados Unidos", conta.
O idioma como sistema operacional
Internacionalizar não é apenas traduzir o site, mas sim reescrever o código cultural da empresa. Quando equipes distribuídas começam a operar em fusos horários diferentes, a comunicação assíncrona e a clareza se tornam vitais. O desafio deixa de ser apenas geográfico e passa a ser sobre pertencimento e alinhamento.
O Wellhub, por exemplo, adotou uma prática para evitar a criação de silos nacionais. Thiago conta que implementaram o "English First": reuniões e documentos são em inglês, mesmo que só haja brasileiros na sala. Ele alerta que a cultura original nunca sobrevive intacta: "O erro mais clássico que existe é acreditar que você consegue manter o mesmo DNA, mas [com a internacionalização] a cultura vai mudar".
Lorhan complementa essa visão com a realidade do trabalho remoto moderno. Para a BotCity, a contratação de talentos globais exigiu uma mudança de mentalidade onde o foco é "menos geografia e mais timezone". O idioma inglês se tornou a ferramenta padrão para unir desenvolvedores da Índia, Europa e América.
Já Patrícia traz a nuance humana desse processo. Ela lembra que, mesmo com o inglês como língua oficial, as diferenças culturais permanecem nas entrelinhas, como no caso dos feedbacks de performance. O brasileiro tende a ser mais empático, enquanto outras culturas são diretas. Sem cuidado, a comunicação quebra. "Eu falava de forma muito seca, as pessoas diziam que eu estava sendo muito seca", relembra ela sobre os desafios de adaptação cultural.
Go-to-Market: do "cafezinho" ao PLG
Como vender em um mercado onde ninguém conhece sua marca? Uma resposta comum é "gastar dinheiro com marketing". Os nossos convidados, no entanto, provam que a eficiência vem da estratégia de rede e produto, não apenas do orçamento de mídia.
Patrícia Osorio é enfática: "O que eu não acredito que faça diferença é jogar dinheiro [para acelerar o go-to-market]". Em vez disso, ela "hackeou" o sistema usando a diáspora brasileira. A Birdie.ai acessou executivos brasileiros em grandes corporações globais para abrir portas, usando a identidade comum para conseguir o "cafezinho" inicial que um cold mail jamais conseguiria.
Lorhan Caproni, operando no mundo técnico, apostou no Product-Led Growth (PLG). A estratégia foi fazer o produto chegar na mão dos desenvolvedores antes de tentar vender para o CIO. Ele tem um conselho valioso para quem navega por ondas de tecnologia (como a IA): "Quando o hype tá no seu pico, a resposta está nos clientes". Focar na dor real do usuário, e não no barulho do mercado, foi o que garantiu a tração da BotCity globalmente.
Por fim, Thiago Pessoa traz a simplicidade como arma. Ele critica a tendência de founders quererem "brincar de War", desenhando estratégias complexas de dominação global antes da hora. A recomendação dele é tática e direta: "Pega o telefone e começa a agendar reunião". Validar o problema com conversas reais é mais barato e eficaz do que abrir CNPJs em cinco países simultaneamente.
Qual o tamanho do prêmio?
Ao cruzar as histórias de Birdie.ai, BotCity e Wellhub fica claro que não existe um único playbook para internacionalizar uma startup. O founder pode ser o primeiro a ir ao novo local ou ficar no Brasil, a estratégia de crescimento global pode ser PLG ou vendas relacionais, e o Brasil pode servir de trampolim ou de laboratório.
No final do dia, o que une esses três fundadores é a disciplina de execução e a clareza sobre o objetivo final. Thiago Pessoa encerrou nossa temporada no Astella Playbook com uma provocação que serve para qualquer founder com desejo de conquistar o mundo: "Qual é o tamanho do prêmio?".
Na internacionalização, é fácil se perder na complexidade operacional. A pergunta chave é: o esforço que você está fazendo agora é para ganhar centavos ou para destravar milhões?
O Brasil é um celeiro de talentos e negócios globais. O mundo é grande, mas é acessível para quem, como Thiago, Patrícia e Lorhan, tem a coragem de não apenas sonhar, mas de executar além das fronteiras.
Se você quer aprofundar nesses cases, recomendo ouvir os episódios completos no Astella Playbook. Ouça agora clicando nos links abaixo:
- Lorhan Caproni da BotCity: como internacionalizar uma startup de deep tech
- Do Brasil para o mundo: Pat Osorio, co-founder da Birdie.ai, e o que ninguém de conta sobre escalar uma startup global
- Desvendando a internacionalização: Thiago Pessoa, da Wellhub, conta os segredos de construir um negócio global
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