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Sete Lições Sobre Marketplaces

Marketplace é um dos principais modelos de negócios usados pelas Startups, e faz parte central da nossa tese de investimentos. Como value investors, nós buscamos encontrar padrões ou bases de comparações que nos ajudem a avaliar as oportunidades de investimento e ajudar as scale-ups a construir seus negócios com escalabilidade e eficiência. Aprender com a experiência de outras empresas é fundamental para alcançar esses dois elementos e foi assim que nós fomos criando nossa base de conhecimento e processos para trocar e discutir novos modelos de negócios com empreendedores. Por essa razão, entrevistamos os fundadores e lideranças de alguns dos principais marketplaces da América Latina: Paulo Veras (99), Tiê Lima (Enjoei), Eduardo L'Hottellier (GetNinjas), Helisson Lemos (Mercado Livre e Via Varejo), Pedro Carvalho (Cayena), Guilherme Bonifácio (Mercê do Bairro), Diego Libanio (Zé Delivery e Mercê do Bairro), Gustavo Fino (Zé Delivery e Nana Delivery) e Fernando Montero (Doji).
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Sete Lições Sobre Marketplaces
Sete Lições Sobre Marketplaces

Autores: Laura Constantini, Lucas Abreu, Cassio Azevedo, Luiza Ulysséa e Guilherme Lima

Marketplace é um dos três modelos de negócios usados pelas Startups, e faz parte central da nossa tese de investimentos. Os marketplaces hoje vão muito além de plataformas que conecta compradores e vendedores a produtos ou serviços, e sim plataformas agregadoras de redes de mercados, que geram valor aos usuários por meio de experiência superior e maior conveniência do que outros espaços de negócios.

Como value investors, nós buscamos encontrar padrões ou bases de comparações que nos ajudem a avaliar as oportunidades de investimento e ajudar as scale-ups a construir seus negócios com escalabilidade e eficiência. Aprender com a experiência de outras empresas é fundamental para alcançar esses dois elementos e foi assim que nós fomos criando nossa base de conhecimento e processos para trocar e discutir novos modelos de negócios com empreendedores. Por essa razão, entrevistamos os fundadores e lideranças de alguns dos principais marketplaces da América Latina: Paulo Veras (99), Tiê Lima (Enjoei), Eduardo L'Hottellier (GetNinjas),  Helisson Lemos (Mercado Livre e Via Varejo), Pedro Carvalho (Cayena), Guilherme Bonifácio (Mercê do Bairro), Diego Libanio (Zé Delivery e Mercê do Bairro), Gustavo Fino (Zé Delivery e Nana Delivery) e Fernando Montera (Doji).

No primeiro trimestre conduzimos uma pesquisa para nos aprofundar nos padrões de construção e desenvolvimento dos marketplaces. Nós entrevistamos fundadores de marketplaces de diferentes tamanhos, estágios e segmentos de negócios, passando por unicórnios e empresas abertas até late e early stage. O estudo objetiva mapear os principais desafios na trajetória de um marketplace e entender o processo de descoberta das soluções. 

Abaixo segue a lista dos principais insights da pesquisa: 

Lição 1: Equacionar o lado mais difícil primeiro

Inevitavelmente, a construção de um marketplace traz o dilema do ovo e da galinha - qual lado preciso trazer primeiro? A oferta ou a demanda? Equilibrar a oferta e demanda dentro de um marketplace é um passo importante e para que ambos os lados passem a adotar a plataforma com recorrência e a pagar pela comodidade e serviços que o marketplace se propõe a oferecer. Recorrência é o primeiro passo para alcançar efeito de rede que por sua vez, garante que o marketplace acelere crescimento e garanta o sucesso de seus participantes.

O primeiro passo estratégico é definir o enfoque de ataque, se é nos compradores ou nos vendedores. Ao analisarmos a história das startups de sucesso, há sempre a definição clara sobre qual dos lados atacar. Isso depende do contexto: No caso da Cayena, B2B marketplace que traz restaurantes e distribuidores de alimentos, o foco inicial foi gerar valor para os buyers (restaurantes). Enquanto que para a Enjoei, marketplace de roupas usadas, o foco inicial foi trazer para a plataforma as pessoas que já vendiam roupas usadas na internet. 

Ao começar uma nova rede ou marketplace, Andrew Chen, recomenda focar no "lado difícil" da rede, que é um pequeno número de usuários ou pessoas que geram valor desproporcional (vs o lado fácil que é mais fluído). Um exemplo são os 4.000 voluntários do Wikipedia que editam grande parte dos sites, ou os super motoristas do Uber que são responsáveis por 60% das corridas. 

Tornar o produto uma solução relevante para o lado difícil é o ponto crítico a ser endereçado logo no início. Ao realizar a pesquisa, entendemos como cada founder  criou sua estratégia de crescimento, passando pelo entendimento de qual seria o  lado mais difícil da rede: 

  • A Enjoei nasceu como um blog auxiliando pessoas a venderem roupas usadas. 
  • Zé Delivery começou focando em gerar valor para os distribuidores 
  • 99 focou em melhorar a experiência do motorista e optou por não cobrar de take-rate no início. 
  • GetNinjas trouxe a demanda e garantiu a oferta de serviços através da busca do time nas páginas do classificado para contratar os fornecedores e fazer o match para os primeiros clientes.

O sucesso está em conquistar o lado difícil.

Leia mais sobre esta lição em: O Lado Difícil, por Lucas Abreu

Lição 2: O PMF dos marketplaces é mais tardio que nos demais modais. 

Ao conversarmos sobre Product Market Fit com os founders de marketplaces, todos foram unânimes ao afirmar que tiveram convicção de que alcançaram PMF ao redor da Série A. Ao passo que no caso das plataformas de SaaS, o PMF é normalmente alcançado ao redor da rodada Seed.

Por que mais tarde?

Inovações tecnológicas em geral trazem melhoram a experiência do usuário: tornam soluções existentes 10x melhores ou 10x mais fáceis de usar ou 10x menos custosas. Em geral, marketplaces oferecem uma solução de acesso. Garantem aos consumidores um lugar de encontro ao que estão buscando e, por outro lado, reduzem o esforço de vendas de quem tem a oferta ou o estoque de produtos ou serviços. PMF acontece quando as pessoas entendem que a plataforma traz uma solução de acesso 10x melhor do que as soluções existentes - destravando demanda reprimida e diminuindo custo de vendas ou de entrega dos produtos e serviços.

A comprovação do PMF no caso dos marketplaces acontece quando a plataforma consegue provar que agrega valor aos dois lados - buyers e sellers. No entanto, na maior parte das vezes, os founders percebem que podem agregar valor e trazer um dos lados com muito mais facilidade. Essa descoberta é muito importante porque a conquista do lado mais difícil só acontece quando o time encontra uma solução estratégica de suprir as necessidades de um dos lados, para só então mostrar ao outro lado a existência de uma solução de acesso - seja a seu produto ou serviço, seja a uma base de clientes. 

E como medir?

Através do acompanhamento de métricas de aumento de atividades na plataforma e volume de negócios por cohort de buyers e sellers (retenção). Ou seja, a necessidade de criar uma densidade mínima de buyers e sellers, capaz de garantir liquidez de acesso ao que ambos os lados buscam leva mais tempo do que normalmente as plataformas de SaaS levam para criar suas máquinas de vendas. 

Leia mais sobre esta lição em: A Busca do Product-Market Fit nos Marketplaces, por Guilherme Lima

Lição 3: Liquidez é a métrica estrela norte. 

Não há nada mais importante para um marketplace do que a Liquidez - que se traduz na garantia de acesso. Ou seja, a probabilidade de vender algo ou encontrar algo que está buscando na plataforma. Por exemplo, do lado do comprador, isso pode ser medido pelo share of wallet - quanto a plataforma supre a necessidade de uma pessoa por um produto ou categoria. Do lado do vendedor, isso pode ser medido pela taxa de utilização, ou pela representatividade da plataforma na venda de seu estoque, pelo tempo que se leva para o comprador ser atendido. 

Em todos os casos que conversamos, a liquidez adequada ao contexto da oportunidade foi o indicador mais importante para avaliar o sucesso da rede:
- No caso da Enjoei, o Giro de Estoque das lojas virtuais, ou seja, avaliar se o estoque estava sendo vendido em 7, 30 ou 90 dias era essencial para compreender a liquidez.
- 99 estimava o percentual da renda dos motoristas provida pela plataforma

-  A Cayena calcula o share of wallet das compras dos restaurantes e o quanto a venda na plataforma representa para os distribuidores. 

- A Doji, marketplace de 2nd-hand consumer electronics, calcula a porcentagem dos bids que terminam em compra.

Leia mais sobre esta lição em: Liquidez: a Força Vital dos Marketplaces, por Luiza Ulysséa

Lição 4: Precificação é uma ciência empírica.

Mesmo nos casos de sucesso, precificação é um processo pouco científico - 87.5% dos founders que conversamos relatam ser bastante desafiador chegar na forma mais eficiente de monetizar a entrega de valor das plataformas.

Marketplaces tendem a monetizar através de take-rates, isto é, um percentual do valor da transação. A precificação dos marketplaces, inclusive daqueles de sucesso, partem de duas premissas: 

  1. A necessidade de realizar testes recorrentes
  2. Análise do pricing point dos concorrentes 

A Mercê, buscar ter preços competitivos com o de Atacados e Distribuidores, tendo serviço como diferencial (entrega D+1, acesso a melhores condições de pagamento e tratativa centralizada em um único site/vendedor) e criando uma base de distribuição relevante que permite incrementar serviços no futuro, e consequentemente novas linhas de receita, através de produtos verticalizados e integrados às soluções de supply.

A Cayena optou por cobrar via take rate desde o primeiro momento, começando com um percentual pequeno sobre o GMV, cobrado dos sellers, e aumentando a monetização ao passo que foi explorando serviços adjacentes, como o Cayena Pay, a solução de crédito e pagamentos oferecida pela empresa. 

Lenny Rachitsky - empreendedor, investidor anjo e criador de uma newsletter focada em marketplaces - criou uma forma de racionalizar a precificação de marketplaces e ajudar os founders a chegar nos seus Take Rates: 

Take Rate = Conveniência + Demanda — Competição. 

No qual, 

  1. Conveniência: Refere-se ao quão mais fácil é para seu cliente utilizar os serviços do seu marketplace para executar as suas atividades (quanto maior e mais fácil for o acesso aos buyers, melhor).
  2. Demanda: O quanto de demanda valiosa a plataforma gerará para o supply/sellers (redução de custo de vendas e "time to revenue", ou seja, quanto maior a demanda, melhor)
  3. Competição: O quão competitivo é o mercado (quanto menos alternativas ao marketplace em questão, melhor)

Lição 5: Métricas Macro x Rodadas de Investimentos

Em nossa busca por métricas de tração por rodada, fomos entender durante as entrevistas quais eram as expectativas e desafios para cada rodada, onde cada um chegou (milestones) e qual foi o tamanho das rodadas que levantaram. Nós já tínhamos nos deparado com algumas estatísticas interessantes como o Marketplace Napkin da Point Nine mas gostaríamos de trazer a perspectiva para os marketplaces no Brasil e ter uma base de comparação atualizada com as plataformas SaaS.

Quando olhamos para nosso The Plot e comparamos com as informações que os founders entrevistados nos trouxeram chegamos aos seguintes pontos:

  • Tamanho das rodadas: 
  • Não encontramos diferenças nos valores por rodadas no early stage (até a série A, inclusive), e sim para o late stage;
  • Quando trouxemos na Lição 2 que marketplaces precisam de mais recursos para atingir o PMF e que as rodadas tem praticamente o mesmo tamanho, estamos afirmando que leva mais tempo, mais rodadas e portanto mais recursos para chegar no PMF e no mesmo montante de receita recorrente gerada por mês se comparado com as plataformas de SaaS.  
  • velocidade de crescimento:
  • Por outro lado, o crescimento de GMV é maior, e principalmente após PMF o efeito de rede criado nos marketplaces traz benefícios importantes como redução de CAC, manutenção de crescimento acelerado e possibilidade de aumento do take rate ao longo do tempo
  • Pre-money valuation:
  • Já vimos que o tamanho das rodadas de marketplaces comparadas com SaaS não se diferem muito, mas se formos comparar geração de receita, os business de SaaS saem na frente. 
  • No entanto, a dinâmica dos marketplaces muitas vezes possibilita um crescimento acelerado, principalmente após o PMF, o que passa a comandar prêmios em relação às rodadas de SaaS. 

Leia mais sobre esta lição em: Métricas e Rodadas de Investimento em Marketplaces, por Cassio Azevedo

Lição 6: 4 grandes fases 

Ao nos aprofundarmos nos números e informações coletadas, conseguimos identificar 4 fases de desenvolvimento e crescimento dos marketplaces. Abaixo descrevemos essas fases e seus principais desafios:

Fase 1 (Pre-Seed) - Discovery: O objetivo é compreender como a solução desenhada pode gerar conveniência, melhor acesso a produtos e serviços, eficiência e valor agregado para a cadeia de valor como um todo. 

Características: 

  • Provar que a solução faz sentido (PMF) - acompanhar o dia a dia do cliente, mapear atritos e fricções impostas pelas soluções tradicionais e entender como o marketplace pode trazer soluções aos pontos identificados
  • Entendimento das margens dos dois lados - quais benefícios financeiros o marketplace pode trazer e as possibilidade de monetização. Como mencionamos anteriormente, os marketplaces trazem aos buyers facilidade de acesso e liquidez e aos sellers um custo de vendas menor. É a partir dessas análises que os times entendem o potencial de monetização das plataformas. 
  • Criação de hipóteses de efeito de rede (NfX) - conveniência, liquidez e ganhos de escala são componentes importantes para construção de NfX e barreiras de entrada 
  • Hipótese de posicionamento
  • Hipóteses para escalar as máquinas de vendas dos dois lados
  • Como todas as scaleups em fase pré-PMF é muito importante que boa parte das atividades e tarefas sejam feitas pelos founders e "a mão" não só para possibilitar o mapeamento descrito mas também para entender o que de fato precisa ser construído.

Fase 2 (Seed) - Atomic Network/Liquidez

  • Com mapeamento e hipóteses em mãos, os founders começam a construir a ferramenta e automatizar as atividades para agregar valor aos dois lados do marketplace.
  • O MVP da plataforma já possibilita aumento de volume de transações e o time começa a experimentar os primeiros sinais de liquidez.
  • A Fase 2 deve ter um objetivo importante: chegar no Atomic Network. Esse termo foi cunhado por Andrew Chen no livro Cold Start Problem que o define como: O "Atomic Network" é a menor rede necessária que pode manter-se por si só. Precisa ter densidade e estabilidade suficientes para quebrar os primeiros efeitos anti-rede, e em ultimamente crescer por si só." 
  • Uma pequena rede capaz de se manter viva por conta própria é um elemento muito importante de escala e efeito de rede para os marketplaces e por isso pode ser considerado o equivalente ao PMF para as plataformas SaaS. Enquanto normalmente as startups de SaaS alcançam PMF no final do pre-seed, o Atomic Network é normalmente alcançado no meio para o final da rodada Seed. 

Fase 3 (Série A) - eficiência e escala

  • A Fase 3 é caracterizada pela entrada de recursos na Série A para multiplicar o Atomic Network. Nessa fase o time já entende o esforço e custo para construir um Atomic Network e segue o playbook com o intuito de aumentar ainda mais a taxa de crescimento 
  • O crescimento acelerado possibilita ao time identificar outras demandas não atendidas tanto de buyers quanto de sellers e priorizar a construção de funcionalidades tanto para monetizar essas oportunidades quanto para reduzir fricção e evitar frustrações dos usuários, fazendo com que o Flywheel e recorrência de uso se intensifiquem.
  • Os founders criam estratégias de crescimento para trazer outras formas de engajamento e monetização com o intuito de aumentar a frequência de uso e share of wallet.

Fase 4 (Série B+) - novas adjacências e barreiras de entrada

  • Da Série B em diante os times se empenham em descobrir e construir novas adjacências - um dos aspectos interessantes dos marketplaces é a capacidade de capturar valor de um segmento ou cadeia de valor através da cobrança de take rates por cada tarefa e valor agregado que a plataforma possibilita. Em cima da transação original podem ser criados e oferecidos outros serviços que ajudam o marketplace a abocanhar fatias cada vez maiores do addressable market.   
  • Além disso, o elevado volume de transações já possibilita a criação de uma base de dados que deve ser analisada para melhoria constante de desempenho e unit economics. 

Leia mais sobre esta lição em: As Quatro Estações dos Marketplaces

Lição 7: Unit Economics 

Marketplaces são negócios de efeito de rede e, por isso, precisam de uma densidade mínima de usuários para que a proposta de valor possa ser entregue.

Até que a plataforma alcance velocidade e volume mínimo de transações, é natural que os founders tenham dificuldade de comprovar seus unit economics. Como descrevemos, as primeiras noções de monetização e unit economics começam a aparecer com a criação do Atomic Network. 

Um ponto em comum para os fundadores de sucesso é o entendimento sobre a cadeia de valor e o profit pool disponível no qual é possível ancorar hipóteses futuras de monetização. 

Outro ponto interessante é que há uma diferença relevante entre os modelos de negócios mais antigos e mais novos em relação a evolução do unit economics. A evolução da tecnologia e capacidade de integração com diversas soluções, principalmente de oferta de serviços financeiros, reduz a complexidade operacional e garante maior visibilidade sobre novas adjacências e próximos passos estratégicos que podem levar a melhoria significativa de unit economics.

Leia mais sobre esta lição em: Unit Economics de Marketplace

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